AfronegócioConfeitaria

Fotos de Diva Oliveira de uniforme vermelho, usando uma batedeira

Diva Oliveira: influências africanas na confeitaria brasileira

Postado em: 27 de Novembro de 2025 às 10:39 Por Redação

Diva Oliveira é formada em Biologia, mas largou tudo para se dedicar a uma paixão: a confeitaria.

Hoje, Diva é especializada em bolos festivos e afetivos, atendendo no Rio de Janeiro.

Essa potente mulher negra e confeiteira reflete, na entrevista a seguir, sobre as influências africanas na confeitaria brasileira.

Boa leitura!

 

Entrevista com Diva Oliveira sobre influências africanas na confeitaria brasileira

 

Academia Assaí: Quando falamos em influências africanas na confeitaria brasileira, quais são os elementos  (ingredientes, técnicas ou rituais) que você considera mais marcantes e, ao mesmo tempo,  mais invisibilizados ao longo da história? 

 

Diva Oliveira: As influências africanas mais marcantes na confeitaria brasileira surgem das mãos das mulheres negras escravizadas, que transformaram a ausência em técnica e violência em criação.

Ingredientes como coco, amendoim, melado e dendê foram manipulados com conhecimento ancestral. Mas a autoria dessas mulheres quase nunca aparece.

A base da nossa confeitaria nasce dessa junção entre técnica africana e adaptação forçada, mas permanece pouco creditada às verdadeiras criadoras. 

 

Academia Assaí: Como determinados ingredientes trazidos ou manejados por povos africanos (como dendê,  coco, amendoim, gengibre, entre outros) moldaram bases de receitas que hoje consideramos  “típicas” da confeitaria brasileira? 

 

Diva Oliveira: Coco, amendoim, gengibre e dendê não foram apenas ingredientes incorporados, foram  ferramentas de sobrevivência e tecnologia culinária trazidos por africanas.

O coco virou espinha dorsal de doces brasileiros; o amendoim foi transformado em massas, doces e paçoca; o gengibre foi usado como conservante e aromático; o dendê trouxe gordura e profundidade.

Esses elementos sustentaram receitas que hoje consideramos “tradicionais”, mas sem reconhecer que surgiram da cozinha de mulheres negras que não tinham o direito de  assinar o que criavam. 

 

Academia Assaí: Quais doces brasileiros que hoje vemos como tradicionais só existem porque tiveram origem direta ou indireta em práticas culinárias africanas? Pode citar exemplos e explicar suas conexões históricas? 

 

Diva Oliveira: Vários de doces que hoje o Brasil chama de tradicionais só existem porque foram criados, adaptados ou sustentados pelas mãos das mulheres negras escravizadas.

Quindim, Cocada,  Paçoca Doce, Pé de Moleque, todos eles carregam não apenas técnica culinária, mas também a força, a coragem, a resistência dessas mulheres que transformaram a ausência em criação e dor em sabor.

O quindim é um exemplo mais emblemático. Ele nasce da releitura africana da brisa de lixo portuguesa, feita originalmente com amendoins sem acesso ao  ingrediente europeu.

As mulheres negras, com profundo conhecimento de coco, gordura e textura, substituíram, adaptaram criar um novo doce.

A história oficial celebra o quindim, mas raramente reconhece a autoria dessas mulheres que ousaram criar no meio da violência e da escassez. 

A Cocada é herança direta da sabedoria africana no uso do coco. Saber ralar, puxar a fibra, extrair gordura, controlar o açúcar em panela quente não é um doce simples.

É técnica ancestral pura, transmitida de mãe para filha, mesmo quando a sociedade tenta impedir essas mulheres de terem voz. 

A Paçoca Doce vem da tradição africana de transformar amendoim. Pasta de farinha é um doce que sintetiza o gesto de força física, pilão, batida, a mão pesada com a precisão técnica do ponto.

É sabor africano, reelaborado no Brasil pela resistência de mulheres que, mesmo escravizadas, preservaram suas práticas culinárias. 

O Pé de Moleque feito de rapadura caramelizada com amendoim também nasce desse encontro.

Sabor africano de trabalhar rapadura controlar o calor, textura e dureza, unindo ao uso ancestral do amendoim como base alimentar e doce. 

Cada um desses doces é um testemunho vivo da genialidade culinária africana, mas também  de algo maior, da capacidade das mulheres negras de criar mesmo quando tudo ao redor buscava destruir, de inventar novos sabores, mesmo quando lhes tiravam a liberdade de formar a base da confeitaria brasileira, mesmo sem o direito de assinar sua própria obra. 

Esses doces não carregam só açúcar e técnica, carregam história, ancestralidade, apagamento, resistência e a força de um povo que, mesmo silenciado, construiu o paladar de um país inteiro. 

 

Duas fotos lado a lado de Diva Oliveira posando com uniforme branco

 

Academia Assaí: Em que medida a influência africana não aparece apenas nos ingredientes, mas também nas  técnicas de preparo, como modos de cozimento, conservação ou uso de utensílios? 

 

Diva Oliveira: A contribuição africana está em técnicas como: cocção lenta e constante do açúcar;  produção manual de farinha, as pastas e leite vegetais (como leite de coco); uso de panelas de fundo grosso e fogo brando para atingir brilho e ponto; conservação dos alimentos por desidratação e caramelização.

Essas técnicas moldaram dos docerias inteiras e permanecem  até hoje na culinária. 

 

Academia Assaí: Como a oralidade (tão presente nas culturas africanas) influenciou a maneira como receitas, modos de fazer e segredos da confeitaria foram transmitidos no Brasil? 

 

Diva Oliveira: A oralidade africana foi a base da transmissão da confeitaria no Brasil.

Conduzidas sobretudo pelas mulheres negras, elas ensinavam receitas e técnicas pelo olhar, pelo gesto, pela convivência. Uma sabedoria que não dependia de escrita, mas da memória do corpo.  

Foram essas mulheres que mantiveram vivos os modelos de fazer do coco, do açúcar, do melado e do amendoim, passando conhecimento de geração em geração, mesmo em meio à violência e ao silenciamento.

A oralidade preservou técnicas essenciais, mas também explica por que tantas autorias foram apagadas. Quase nada foi registrado com seus nomes. 

Ainda assim, é graças a elas que a confeitaria brasileira existe. A mulher negra foi e continua sendo a guardiã desses saberes, a verdadeira mestra que sustentou o repertório doce do país, mesmo quando a história tentou calá-la.

 

Academia Assaí: Na sua visão, por que muitas dessas influências são pouco reconhecidas? Isso tem relação com processos históricos de apagamento cultural? 

 

Diva Oliveira: Essas influências são pouco reconhecidas porque a história da gastronomia do Brasil foi construída para apagar a presença negra.

A escravidão e o racismo estrutural transformaram mulheres negras - verdadeiras criadoras - em mera mão de obra, retirando delas autoria e colocando crédito nas mãos de outros. 

Durante séculos, tudo o que era produzido por mulheres negras não era visto como conhecimento, técnica ou criação, mas como obrigação. Esse apagamento foi sistemático e intencional. 

Só agora começamos a revisitar essa história e devolver nome, voz e reconhecimento a quem realmente contribuiu, grande parte da confeitaria brasileira.

As mulheres negras que a sociedade tentou silenciar, mas que deixaram sua marca em cada doce desse país. 

 

Academia Assaí: Quais regiões do Brasil preservam de forma mais evidente essas heranças africanas na confeitaria, e quais fatores históricos contribuíram para isso? 

 

Diva Oliveira: Trabalhou território onde essas heranças africanas aparecem com mais força, especialmente pela presença da culinária da matriz iorubá e pela preservação das tradições religiosas afro-brasileiras.

Nos terreiros, muitos doces (feitos com coco, melado, frutas e preparos rituais) foram mantidos vivos, transmitidos e protegidos, mesmo quando a sociedade tentava apagá-los. 

Esses doces, nascidos em contextos sagrados, transbordaram para o cotidiano e hoje fazem parte da mesa brasileira sem que muitos saibam sua origem espiritual e africana. 

No norte, nordeste, a força, presença negra e uso ancestral do coco, rapadura, castanha e amendoim também ajudaram a preservar técnicas e sabores que vieram da diáspora. 

A continuidade comunitária, a fé, a resistência cultural das religiões de matriz africana foram fundamentais para que esse repertório atravessasse séculos. E hoje esteja presente no nosso dia a dia, mesmo quando sua origem não é reconhecida. 

 

Academia Assaí: Como essas influências aparecem na relação entre comida e religiosidade, especialmente  em tradições de matriz africana, e de que forma isso moldou doces e preparações que hoje circulam até fora desses contextos? 

 

Diva Oliveira: Muitos doces nasceram dentro de terreiro, as oferendas e rituais.

O uso do coco, do  melado, de frutas, do dendê e de massas doces está profundamente ligado às liturgias.

Várias preparações saíram dos rituais e ganharam circulação popular, mantendo símbolos, sabores e  técnicas que têm origem sagrada.

Nesta adição de matriz africana, a comida é parte do sagrado, é gesto, é fé, é continuidade ancestral. Muitos doces nasceram dentro dos terrenos.

 

Academia Assaí: Que doce ou técnica você destacaria como exemplo de reinvenção brasileira a partir de  bases africanas, mostrando como as culturas dialogaram? 

 

Diva Oliveira: O Quindim é, para mim, o maior símbolo de reinvenção brasileira a partir de bases africanas.

Ele nasce de uma receita europeia, mas só se torna o doce que conhecemos porque mulheres negras sem acesso à amêndoa portuguesa usaram seu domínio ancestral do coco para criar algo novo.

É a união da técnica europeia com saber africano. E é essa fusão que molda a confeitaria brasileira. 

Minha releitura do Quindim com dendê apresentada no Black Friday Summit 2025, reforça  ainda mais esse diálogo histórico ao trazer o dendê, ingrediente profundamente africano.

Devolvo ao doce uma parte de sua ancestralidade que o tempo tentou esconder. É a prova viva  de como as culturas não só dialogam, mas se transformam pelas mãos de mulheres negras. 

 

Academia Assaí: Hoje, quando um confeiteiro ou um pequeno empreendedor usa determinados ingredientes ou preparos de origem africana, o que ele deve saber para valorizar essa ancestralidade com responsabilidade e respeito? 

 

Diva Oliveira: Quando um confeiteiro, o empreendedor, usa os ingredientes ou técnicas de origem africana, ele precisa entender que está lidando com uma história, resistência e memória de um povo. 

Não é só coco, dendê ou amendoim, é ancestralidade. 

Por isso, é essencial conhecer a origem desses saberes, reconhecer publicamente as contribuições das mulheres negras que os criaram e não transformar receitas históricas em  modismos vazios apenas para se alisar.

Isso não é inovação, é desrespeito.  

Valorizar essa herança é usar como consciência, citar as referências, honrar quem preservou  essas técnicas e nunca apagar a autoria negra que sustenta grande parte da confeitaria  brasileira. 

 

Academia Assaí: Na sua experiência, o que ainda precisa ser estudado ou resgatado na história da confeitaria  afro-brasileira? 

 

Diva Oliveira: Precisamos de mais pesquisa documentada sobre técnicas de doçarias negras, sobre doces  regionais de matriz africana, sobre o uso ritual do açúcar e sob processos de adaptação culinária.

Muitos cadernos, histórias orais e práticas comunitárias ainda não foram estudadas academicamente. 

 

Academia Assaí: Você poderia comentar sobre o papel das mulheres negras, muitas vezes escravizadas ou  trabalhando nas cozinhas coloniais, na formação do repertório doce brasileiro? 

 

Diva Oliveira: A mulher negra foi o alicerce da confeitaria brasileira.

Nas cozinhas coloniais, muitas vezes escravizadas, ela dominou técnicas, criou sabores, adaptou receitas europeias e desenvolveu doces que hoje o país inteiro chama de “tradicionais”. 

Foram essas mulheres que sustentaram o repertório do doce das casas grandes e das ruas, mesmo sem o direito de assinar o que criavam.  

São autoras invisibilizadas, mas foram elas que moldaram o paladar do Brasil com suas mãos, sua resistência e sua ancestralidade. 

 

Academia Assaí: Como a presença africana na confeitaria se transforma na atualidade? Que movimentos contemporâneos têm contribuído para revalorizar essas raízes? 

 

Diva Oliveira: Hoje, vemos chefes, pesquisadores e empreendedoras negras retomando narrativas, resgatando ingredientes e apresentando releituras. Como fiz no meu quindim com dendê.

Há um movimento crescente de valorização da gastronomia preta e da confeitaria afro-brasileira, tanto em festivais quanto em premiações e iniciativas educativas.. 

Feche como o Festival de Gastronomia Preta que foi criado em 2022, no qual fui vencedora na categoria Confeitaria e sou jurada até hoje.

Hoje, a presença africana na confeitaria se transforma através da retomada de narrativas feitas por chefes, pesquisadoras e empreendedoras negras que estão resgatando ingredientes, revisitando técnicas e desenvolvendo a autoria as mulheres que sempre criaram.

Releituras ancestrais como a minha, que indicam dendê, mostram que essa herança continua viva e em evolução. 

Movimentos contemporâneos como Festival Gastronomia Preta tem desempenhado um papel decisivo na revalorização das raízes africanas na gastronomia.

O festival e o Projeto Pretonomia, ambos idealizados para acolher, capacitar, impulsionar pessoas negras e pardas em todas as áreas da gastronomia.

São espaços que resgatam  histórias, devolvem a autoria e abrem caminhos reais para quem sempre esteve à margem. 

Hoje sou professora de empreendedorismo em confeitaria no Pretonomia, atuando exatamente como acredito: transformando vidas através do conhecimento, da ancestralidade e da valorização de quem construiu as bases da nossa doçaria. 

Esses movimentos não só celebra a culinária afro-brasileira, mas também reconstroem narrativas apagadas, dando voz, nome e futuro a mulheres negras que sempre sustentaram a  cozinha do Brasil. 

Eles colocam na gastronomia preta no centro da conversa, reconhecendo que sem a contribuição africana não existe confeitaria brasileira. 

A força da ancestralidade agora ganha nome, espaço e voz conduzida por mulheres negras que seguem criando, ensinando e transformando.

 

Academia Assaí: O que você diria para quem acredita que a confeitaria brasileira é majoritariamente europeia, ignorando as contribuições africanas? 

 

Diva Oliveira: A confeitaria brasileira é resultado de um encontro. A técnica europeia só se tornou  brasileira graças à mão africana.

Sem as mulheres negras, não haveria coco no doce, amendoim caramelizado, paçoca, pé de moleque, cocada... nem mesmo o Quindim.

Ignorar  essa matriz é ignorar metade da nossa história. 

 

Academia Assaí: Quais caminhos você enxerga para que essa herança seja mais difundida: seja por meio  da educação, da gastronomia profissional ou da atuação de empreendedores da confeitaria? 

 

Diva Oliveira: Educação gastronômica que inclua história afro-brasileira, pesquisa acadêmica, valorização profissional de confeiteiras negras, incentivos a empreendedoras e inclusão de  repertório em escolas e mídia.

Quanto mais narramos essa história, mais ela deixa de ser  invisível.

 

Confira mais conteúdos em nosso blog. E acompanhe cursos e mentorias gratuitos, sem sair de casa, clicando aqui. Conheça também histórias de afroempreendedores de sucesso na nossa página Afronegócio.

Post mais vistos

Patrocinadores do programa Academia Assaí

Patrocinadores Master

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Gestão Financeira

Conteúdo patrocinado por:

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Boleiros e Salgadeiros

Conteúdo patrocinado por:

Nestlé patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí
Sadia patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Vendas por Encomenda

Conteúdo patrocinado por:

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Ambulantes

Conteúdo patrocinado por:

Patrocinadores Restaurantes

Conteúdo patrocinado por:

Patrocinadores Empreender na Prática

Conteúdo patrocinado por:

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Todos podem Empreender

Conteúdo patrocinado por:

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Marketing e Vendas

Conteúdo patrocinado por:

Guaraná Antarctica patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Pizzarias

Conteúdo patrocinado por:

Patrocinadores Padarias e Confeitarias

Conteúdo patrocinado por:

Pilão patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Minimercados e Mercearias

Conteúdo patrocinado por:

Yoki patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Dogueiros e Food trucks

Conteúdo patrocinado por:

Arrifana patrocinador dos cursos para empreendedores na Academia Assaí

Patrocinadores Bares e Lanchonetes

Conteúdo patrocinado por: