Afronegócio

Gatronomia Ancestral

Gastronomia ancestral: saberes que moldam o nosso futuro

Postado em: 12 de Maio de 2025 às 17:56

*por Patty Durães, pesquisadora de culturas alimentares.

Falar sobre comida e ancestralidade, especialmente para um público de afroempreendedores, exige voltar no tempo. Não apenas anos, mas séculos. As raízes do empreendedorismo alimentar no Brasil têm uma história profunda e muitas vezes esquecida: a das “escravas de ganho”, também chamadas de “ganhadeiras” ou “negras de tabuleiro”.

Essas mulheres, muitas ainda escravizadas e outras já libertas, saíam pelas ruas de cidades como Salvador, Rio de Janeiro e São Luís do Maranhão vendendo quitutes em seus tabuleiros. As que eram escravizadas destinavam parte de seus ganhos aos senhores, enquanto as libertas podiam usar o lucro para sustentar suas famílias, comprar alforrias ou até investir em bens, como joias e imóveis. Esse protagonismo feminino, ancestral e invisibilizado, pavimentou caminhos que hoje seguem sendo trilhados por milhares de mulheres negras empreendedoras da alimentação.


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Uma das figuras mais emblemáticas dessa trajetória é Tia Ciata, ou Hilária Batista de Almeida. Perseguida pela polícia na Bahia, ela se mudou para o Rio de Janeiro, onde seus quitutes se tornaram mais do que comida: eram ferramentas de transformação.

Tia Ciata comprou uma casa que virou ponto de encontro político, cultural e musical da sociedade negra. Foi lá que nasceu o primeiro samba gravado no Brasil. Uma revolução silenciosa, alimentada por manjares, bolos, cocadas e acarajés. Quem imaginaria que um tabuleiro de rua, em pleno período escravista, seria palco de tanta resistência?


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Essas histórias estão registradas em livros e também no acervo permanente do Museu Afro Brasil Emanoel Araújo, em São Paulo — uma visita essencial para quem deseja entender a força dessa ancestralidade. Hoje, muitas mulheres que atuam como confeiteiras, cozinheiras, chefs, merendeiras, quituteiras e empreendedoras da alimentação são herdeiras diretas dessas pioneiras. A ancestralidade não é um capítulo fechado do passado; ela pulsa em cada prato servido, em cada receita transmitida de geração em geração.

Pioneirismo que rompeu barreiras

Gastronomia Ancestral - Academia Assaí

Entre os nomes que moldaram a gastronomia no Brasil, destaca-se Benê Ricardo. Nos anos 1980, ela se tornou a primeira mulher — não só mulher negra, mas mulher, ponto — a se formar em Gastronomia e a comandar a cozinha de um hotel cinco estrelas. Seu feito abriu portas e deixou um legado que inspira novas gerações.

Fora do Brasil, exemplos como Lena Richard e James Hemings reforçam a importância da contribuição negra na gastronomia. Lena teve um programa de TV culinária nos anos 1940, duas décadas antes de Julia Child. Hemings, nascido escravizado em 1765, foi o chef pessoal do então presidente norte-americano Thomas Jefferson. São nomes que reescrevem a história com tempero e coragem.

A ancestralidade alimentar não é apenas memória — ela é ação. Está presente no quiabo, no feijão-fradinho, na melancia, no café, no inhame, no azeite de dendê, na pimenta malagueta. Alimentos que vieram da África durante as rotas transatlânticas e se tornaram parte essencial da culinária brasileira. A fermentação, prática milenar egípcia, permitiu que o mundo conhecesse o pão, a cerveja e o vinho. Comemos história sem nos darmos conta.

Empreender com orgulho e identidade

Gastronomia Ancestral - Academia Assaí
Patty Durães é pesquisadora de culturas alimentares. Foto: Tamara Souza

Como pesquisadora de culturas alimentares, encontrei na comida um caminho para falar de cultura, política e transformação social. Comer é um ato biológico, mas cozinhar e vender comida é também um ato político, um gesto de resistência e afirmação.

Por isso, recupere o caderno de receitas da sua família, tire o pilão do fundo do armário, encha o peito de ar e autoestima. A revolução alimentar está em cada gesto seu. Há muita gente lá fora querendo saborear sua comida, comprar seus produtos e apoiar seu negócio. Seja uma moqueca, um bolo, uma geleia ou um acarajé — o que você faz carrega história. E nós estamos aqui para te aplaudir.

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** Conteúdo em colaboração com o Mundo Negro.